É preciso saber diferenciar políticas públicas para educação de projetos de governos, de estratégias políticas para se chegar ao poder, que muitas vezes se encerram em quatro anos ou num período que dura apenas o mandato do governante. “Precisamos pensar a educação no longo prazo”, sintetizou Ramon Moncada, professor de universidades colombianas e integrante do Comitê Internacional do Fórum Mundial de Educação (FME), na manhã desta sexta, 30, durante a Conferência “Educação, Inclusão e Cultura Emancipatória”, que mais uma vez, apesar do frio, lotou o Centro Desportivo Municipal (CDM) de Santa Maria. Os demais painelistas foram Maria Paz Echeverriarza Espínola, do Uruguai, que é consultora da Unesco; José Eustaquio Romão (Brasil) e Carmem Durán (Espanha). A coordenação da conferência ficou a cargo de Salete Valezam Camba, do Brasil.
Ramon Moncada considerou que as políticas públicas para a educação devem ser construídas de forma democrática, com a participação da sociedade, e não elaboradas em gabinetes. O colombiano, de Medellín, criticou as políticas do Banco Mundial para o ensino. Segundo ele, as “políticas transnacionais não pensam a cultura de cada país e pregam uma política de educação privada”. O problema, segundo ele, é que essas políticas de orientação privatista acabam se transformando em “políticas públicas de governos do nosso continente”. Moncada também destacou que muitas vezes se faz uma confusão entre “escolarização” e “educação”. Segundo ele, o que muitos governos fazem, sob orientação economicista das pastas da fazenda e do planejamento, é atentar apenas para ações de escolarização, sem pensar as políticas educacionais de longo prazo.
Resgatando Paulo Freire
Um dos momentos mais aplaudidos na conferência desta manhã foi a exposição do professor José Eustaquio Romão, do Instituto Paulo Freire, que em sua fala resgatou um pouco sobre a história dos 40 anos da obra “Pedagogia do Oprimido”. Romão destacou que Freire tinha duas concepções básicas sobre educação. A primeira, segundo ele, é a “educação bancária”, que consiste no fato de o “educador querer depositar o conhecimento na cabeça do educando”. E, a outra, conceituada como “educação emancipadora”, é multidirecional, ou seja, todos ensinam e todos aprendem.
Para José Romão, conforme a concepção freiriana, “é preciso substituir a pedagogia da certeza pela pedagogia da dúvida”. Todos esses fatores somados levam a uma outra concepção de ser humano. Esse ser, que apregoava Paulo Freire, é “incompleto, inconcluso e inacabado”. Incompleto, explica o educador paulista, porque estamos em constante evolução. Segundo Freire, é “a transcendência do coletivo na contingência do indivíduo”. O pensamento do fundador da “pedagogia do oprimido” refuta a tese de que o professor precisa ter “didática”. Na fala de Romão, a função do educador é fazer uma “mediação pedagógica, pois ninguém aprende sozinho, mas em comunhão”. Diz ainda José Romão que é a “leitura do mundo” que nos possibilita a “consciência” e que, a cultura, nada mais é do que a “humanização da natureza”.
Políticas compensatórias
A uruguaia, que é também consultora do Fundo das Nações Unidas para a Educação e Cultura (Unesco), Maria Paz Echeverriarza Espínola, centrou sua explanação em cima de três aspectos: educação inclusiva; cultura emancipatória; a relação entre educação inclusiva, cultura emancipatória e a busca de uma sociedade mais justa. Para ela, a grande missão da educação é trabalhar com toda a forma de diversidade, tendo como horizonte essa sociedade mais justa. Entretanto, diz Maria, “nós, educadores, temos pouca ‘flexibilidade mental’ para aceitar essa diversidade, pois costumamos trabalhar de uma forma planificada”.
Pra combater o processo de exclusão na sociedade, segundo Maria Paz Espínola, o que está colocado na prática são as chamadas políticas compensatórias. Para ela, os efeitos negativos dessas políticas são imensos. Um dos primeiros é a estigmatização, ou seja, existe uma escola de pobres feita para pobres; o segundo efeito é o da condescendência pedagógica em que se aceita passivamente a “socialização da pobreza”; e, por último, a escola sobrecarregada, um local no qual recaem as idéias e as experiências políticas de governos as mais diversas. Apesar desse diagnóstico pouco otimista, Maria Paz Espínola diz não ter uma “receita pronta”, mas que é preciso pensar um projeto que seja mais democrático, pois não se pode sobreviver sem a escola.
Educação para a paz
A última expositora na manhã desta sexta foi Carmem Durán, do Seminário Galego de Educação para a Paz, da região de Santiago de Compostela, na Espanha. Carmem, que foi uma das palestrantes a substituir a ausência de Gaudêncio Frigotto (Brasil) e José Pacheco (Portugal), abriu seu discurso falando que retrataria o “pouco que sabia, mas o muito que sentia”. Ela leu trechos extensos da declaração Universal dos Direitos Humanos, exibiu um vídeo crítico à destruição do ambiente e às guerras, e, após, destacou que é preciso “fomentar a educação para a paz, para o respeito aos direitos humanos e contra toda a forma de discriminação”. Carmem Durán disse também que é preciso mobilizar a sociedade, especialmente os jovens, na busca de novas formas de convivência, em que a generosidade seja o ponto de destaque.
A bela dissonância
Antes do início das palestras desta manhã ocorreu uma apresentação artística que provocou comoção geral. Integrantes do grupo de dança “Marcando Presença”, da Sociedade ‘Bem Viver’ de Portadores de Síndrome de Down deram um exemplo de superação. A letra de “planeta sonho”, velha canção da banda 14 Bis, que diz que “a harmonia será Terra” e “a dissonância será bela” embalou os momentos encantadores daqueles jovens que, vistos por uma platéia calculada em torno de seis mil pessoas, demonstraram a beleza da diversidade do ser humano.