Moacir Gadotti
Há muitas formas de fazer política. Através de sindicatos, partidos, governos, parlamentos, igrejas, participando de campanhas eleitorais etc. Fazemos política através de empresas públicas e privadas. Tudo o que é humano tem uma dimensão política. Pode-se fazer política através de organizações não-governamentais, fortalecendo a sociedade civil. Essa é uma nova forma de fazer política, uma forma cada vez mais eficaz, como vem demonstrando o Fórum Social Mundial. Ao contrário da forma tradicionalmente hierárquica de fazer política, de exercer o poder, os Fóruns se constituíram em redes solidárias, reinventando o poder. Eles privilegiam o encontro, o diálogo, o debate e a colaboração. Dessa forma eles reduzem os conflitos provados na “luta interna” pelo poder hierárquico. Por isso são mais eficazes na luta política.
Os Fóruns se constituíram num novo espaço político, um espaço inovador de fazer política. Desde 1962, Jürgen Habermas nos alertava dessa nova forma de fazer política em seu livro Mudança estrutural na esfera pública, falando de “opinião pública”, valorizando os debates políticos na mídia, as organizações não-governamentais e a sociedade civil. Ele nos falava de uma esfera informal, de uma “esfera pública virtual” que lembra muito hoje o que está acontecendo com a Internet, tão utilizada pelos Fóruns.
Não basta combater o capital. É preciso organizar-se para construir a alternativa. Organizar-se não apenas em partidos e sindicatos – criticados por José Saramago no final do 2º Fórum Social Mundial (Porto Alegre, 31 de janeiro a 5 de fevereiro de 2002), como responsáveis também pela falta de alternativa ao neoliberalismo. Um outro mundo possível precisa organizar-se ao lado dos desempregados, dos trabalhadores temporários, dos moradores de rua, dos estudantes, dos imigrantes, das mulheres, dos indígenas, dos movimentos de homossexuais, de negros, de minorias, associações religiosas, entidades sem fins lucrativos, organizações não-governamentais, etc… enfim, organizar-se com as novas multidões, organizar-se em torno de um sentido da “história como possibilidade”, como dizia Paulo Freire, organizar-se como poder contra-hegemônico em torno de um sentido que o neoliberalismo quer destruir, organizar-se em torno dos desejos e necessidades desses novos movimentos… e não apenas organizar-se em partidos e sindicatos.
José Saramago foi muito duro ao afirmar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “tal como se encontra escrita, sem necessidade de se alterar sequer uma vírgula, poderia substituir, com vantagem no que diz respeito à clareza de objetivos e à retidão de princípios, a todos os programas de todos os partidos políticos da ordem”. Saramago atacou os programas da esquerda, “anquilosados em fórmulas caducas, alheios e impotentes às realidades brutais do mundo atual, fechando os olhos para as evidentes ameaças que o futuro está a promover contra aquela dignidade sensível e racional que imaginávamos ser a ação de todos os seres humanos”. Referia-se tanto aos partidos quanto aos sindicatos: “de uma forma consciente ou inconsciente, o indócil e burocratizado sindicalismo que ainda nos resta é em grande parte responsável pelo adormecimento social decorrente da globalização econômica”. Foi um grande alerta para sindicatos e partidos. Mas terá ele razão?
Tradicionalmente o Estado usa a sua racionalidade instrumental visando à rentabilidade e à eficácia burocráticas. Ao contrário, os movimentos sociais construíram uma racionalidade comunicativa voltada para as necessidades das pessoas e não para o sistema, criando uma nova lógica de poder. Os Fóruns são um exemplo dessa nova lógica de poder e de inclusão. Eles se constituem em movimentos globais orientados por uma nova forma de fazer política. Um Fórum é num espaço auto-organizado em rede, estruturado horizontalmente, permitindo o encontro, o diálogo, autonomamente organizado, onde partidos, governos e empresas não são o centro do cenário, mas são convidados a participar numa causa comum. É a Sociedade Civil se fortalecendo para exercer a sua cidadania perante o Estado e o Mercado.