Moacir Gadotti
Uma “nova esquerda”, portadora do projeto do “novo socialismo”, está nascendo no seio desde novo movimento histórico do qual o Fórum Social Mundial é o grande portador. Ele inaugurou, no início deste novo milênio, o caminho para “um novo mundo possível”, inaugurou uma nova etapa na batalha dos explorados contra o poder do capital transnacional. Nessa nova etapa abrem-se muitas e novas formas de fazer política. Sem nenhum rótulo, as redes possibilitadas pelos Fóruns estão dando origem a um novo internacionalismo.
Os Föruns conseguiram superar o dilema colocado pela esquerda entre um Marx burocrático e um Bakunin anarquista. Muitos burocratas ficam incomodados com o caráter “anárquico” dos Fóruns, incomodados com o seu “pluralismo”. Por outro lado, o pensamento anarquista presente nos Fóruns fica também incomodado por setores expressivos dos Fóruns que exigem programas, metas concretas, estrutura, propostas para um outro mundo possível. Essas divergências, superadas pela intensidade do diálogo, mostram-nos que outros caminhos são possíveis para além das formas consagradas pelos clássicos paradigmas da esquerda. Não é a causa que envelheceu, mas os métodos autoritários. Se o socialismo autoritário desapareceu como método para um outro mundo possível, viva o socialismo libertário e internacionalista.
O Fórum Social Mundial, com pouco mais de três anos de existência, tornou-se uma referência obrigatória para todas as pessoas, instituições, movimentos que sonham e lutam pela transformação do modelo político, econômico e social dominante hoje no planeta. Em torno desse gigantesco movimento de solidariedade emancipatória convergem esforços que surgem de muitos países, nações, sindicatos, organizações não-governamentais, pessoas e movimentos sociais e populares associados à bandeira comum da resistência e da alternativa à perversa globalização capitalista. O que é particularmente novo nesse movimento é a afirmação do respeito à diversidade, à diferença e à busca do entendimento para alcançar a meta comum.
Fonte fecunda de proposições, o Fórum Social Mundial já apresenta resultados positivos não só na mudança de mentalidades, mas na formulação e execução de novas políticas públicas em diversos campos, radicalizando a democracia e os direitos humanos. Os encontros, reuniões e fóruns têm-se multiplicado pelo mundo, levando à frente o “espírito de Porto Alegre”, empolgando muita gente, reacendendo a esperança, recarregando as energias dos movimentos sociais em direção a um outro mundo possível, fruto não da mão invisível do mercado ou do mecanismo irreversível de luta de classes, mas, fruto da luta organizada dos próprios seres humanos, construindo um novo internacionalismo e novas formas de fazer política.
- Que lições podemos tirar desses Fóruns?
A maior lição a tirar desses Fóruns é que eles mostram como o povo pode fazer história. Os Fóruns colocaram o povo como grande sujeito. Só o povo organizado pode fazer história. Os movimentos sociais não querem ficar na platéia, na arquibancada. A Sociedade Civil não pode ficar assistindo. Tem que ser protagonista deste “outro mundo possível”, deste “outro Brasil necessário”, fazendo cobranças para que a esperança se torne realidade, porque o neoliberalismo ainda está vivo, ainda não foi derrotado.
O FME-SP E A EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILDIADE
Moacir Gadotti
Um dos principais eixos temáticos do Fórum Mundial de Educação de São Paulo está relacionado à ecologia. A educação ambiental, a ecopedagogia, a Pedagogia da Terra, a sustentabilidade terão um grande espaço nesse Fórum centrado no tema geral: “Educação Cidadã para uma Cidade Educadora”.
A sustentabilidade tornou-se um tema gerador preponderante neste início de milênio para pensar não só o planeta, mas um projeto social global, capaz de reeducar nosso olhar e todos os nossos sentidos, capaz de reacender a esperança num futuro possível, com dignidade, para todos. O modo pelo qual vamos produzir nossa existência neste pequeno planeta decidirá sobre a sua vida ou a sua morte, e a de todos os seus filhos e filhas. A educação tem tudo a ver com esse tema. Por isso, precisamos de uma “Pedagogia da Terra”, de uma ecopedagogia, que recoloque a relação entre a natureza e o ser humano como tema da educação.
Precisamos de uma “Pedagogia da Terra”, uma pedagogia apropriada para esse momento de reconstrução paradigmática, apropriada à cultura da sustentabilidade e da paz. Ela vem se constituindo gradativamente, beneficiando-se de muitas reflexões que ocorreram nas últimas décadas, principalmente no interior do movimento ecológico. Ela se fundamenta num paradigma filosófico emergente na educação que propõe um conjunto de saberes/valores interdependentes. Entre eles podemos destacar: 1º) Educar para pensar globalmente; 2º) Educar os sentimentos; 3º) Ensinar a identidade terrena como condição humana essencial; 4º) Formar para a consciência planetária; 5º) Formar para a compreensão; 6º) Educar para a simplicidade e para a quietude.
Nossas vidas precisam ser guiadas por novos valores: simplicidade, austeridade, quietude, paz, saber escutar, saber viver juntos, compartir, descobrir e fazer juntos. Precisamos escolher entre um mundo mais responsável frente à cultura dominante que é uma cultura de guerra, de competitividade sem solidariedade, e passar de uma responsabilidade diluída a uma ação concreta, pessoal, praticando a sustentabilidade na vida diária, na família, no trabalho, na escola, na rua. O Fórum Mundial de Educação de São Paulo pretende ser um espaço para vivenciar esses novos valores.
O ser humano é o único ser vivente que se pergunta sobre o sentido de sua vida. Educar para sentir e ter sentido, para cuidar e cuidar-se, para viver com sentido em cada instante da nossa vida. Somos humanos porque sentimos e não apenas porque pensamos. Somos parte de um todo em construção.
Formar para a ética do gênero humano, não para a ética instrumental e utilitária do mercado. Educar para comunicar-se. Não comunicar para explorar, para tirar proveito do outro, mas para compreendê-lo melhor. A Pedagogia da Terra funda-se nesse novo paradigma ético e numa nova inteligência do mundo. Inteligente não é aquele que sabe resolver problemas (inteligência instrumental), mas aquele que tem um projeto de vida solidário. Porque a solidariedade não é hoje apenas um valor. É condição de sobrevivência de todos.
Diante do possível extermínio do planeta, surgem alternativas numa cultura da paz e da sustentabilidade. Sustentabilidade não tem a ver apenas com a biologia, a economia e a ecologia. Sustentabilidade tem a ver com a relação que mantemos conosco mesmos, com os outros e com a natureza. A pedagogia deveria começar por ensinar sobretudo a ler o mundo, como nos diz Paulo Freire, o mundo que é o próprio universo, por que é ele nosso primeiro educador. Essa primeira educação é uma educação emocional que nos coloca diante do mistério do universo, na intimidade com ele, produzindo a emoção de nos sentirmos parte desse sagrado ser vivo e em evolução permanente.