Educação e fascínio da fama

Frei Betto

Revestir uma pessoa de fama precoce é correr o risco de destruí-la. Nem para os adultos é fácil lidar com perdas. Todos nós construímos uma auto-imagem, adornada por funções, posses, talentos e relações familiares e sociais. Basta um desses aspectos ficar arranhado para irromper a insegurança.

Por isso o desemprego é tão humilhante. Perdem-se a identidade social, a segurança quanto à sobrevivência da família e a qualidade de vida. Já reparou quando lhe apresentam a uma pessoa? Não é suficiente saber-lhe o nome. Há curiosidade em conhecer o que ela faz, em que trabalha. A falta de emprego é como o chão que se abre sob os pés. Cai-se no vazio. Entra-se em depressão. Porque emprego significa salário que, por sua vez, representa a possibilidade de aluguel, alimentação, saúde, educação etc.

Há pais que nutrem nos filhos falsos ideais: destacar-se como modelo numa passarela, tornar-se desportista de projeção, alcançar a fama como atriz ou ator. O sonho congela-se em ambição e a criança passa a dar-se uma importância ilusória. Ainda que alcance dois minutos de fama, como dizia Andy Warhol, os tempos de vazio na platéia são infinitamente maiores que os momentos de aplausos.

O adolescente mergulha no estresse de corresponder à expectativa. Tem de provar a si e aos outros que é capaz, o melhor ou a mais charmosa e inteligente. Passa então a viver, não em função dos valores que possui, mas do olhar do outro. Convencido de que é o supremo – e incapaz de enfrentar o desmoronamento de seu castelo de areia – ele recorre ao sonho químico, à viagem onírica, ao embalo das drogas.

A família, perplexa, se pergunta: como foi possível? Logo ele, tão inteligente! Foi possível porque a família confundiu brilhantismo com segurança. Considerou-o um adulto precoce. Exigiu vôo de quem ainda não tinha asas crescidas. Deixou de dar-lhe atenção, colo, carinho. Os diálogos em casa passaram à instância da mera funcionalidade: mesada, compras, viagens, problemas escolares, pequenas exigências da administração do cotidiano.

A culpa é de quem? Da sociedade que cultua certos detalhes, criando uma estética da consumo: moça loura e magra, executivo de carro importado, locutor com sotaque carioca, atriz em sua mansão com piscina, férias em Nova York etc.

A construção da personalidade é um jogo de relações e comparações, arte mimética de abraçar como modelo aquele que merece a nossa admiração. Hoje, as figuras paradigmáticas não se destacam pelo altruísmo dos ícones religiosos (Jesus, Maria, José, Francisco de Assis etc.) ou de personalidades como Gandhi, Luther King, Che Guevara e Teresa de Calcutá. A estética do consumo rejeita a ética dos valores. O sucesso tudo justifica: o adultério virtual, a filha gerada pelo pai de aluguel, o cantor negro que se metamorfoseia de branco, os negócios escusos do empresário notoriamente corrupto.

Famílias e escolas deveriam educar seus alunos para lidar com perdas. Afinal, morrem não só pessoas, mas também sonhos, projetos, possibilidades. A mídia deveria dar destaque a pessoas altruístas. Contudo, como esperar que se enfatize a solidariedade num mundo regido pela competitividade? Como falar de modéstia em tempos de exibicionismo? Como valorizar a partilha se tudo gira em torno da lógica da acumulação?

As drogas não se transformaram na peste do século só por culpa do narcotráfico. Elas são uma quimérica tábua de salvação nessa sociedade que relativiza todos os valores e carnavaliza até a tragédia humana. Não se culpe, indagando onde você errou, como professor ou pai. Pergunte-se pelos valores da sociedade em que vive. Em que medida tais valores, invertidos e pervertidos, não se entranharam também em nossas cabeças, envenenando-nos a alma?

Inútil fechar-se no pequeno mundo doméstico e julgar-se tão protegido quanto Robinson Crusoé em sua ilha. Somos uma teia de relações. O fluxo mundial invade o lar, a mente, o espírito, através da TV e do computador, da publicidade e da mídia. Quanto mais considerarmos que a política é o reino privado dos políticos, no qual não pretendemos influir, tanto mais se configura este modelo de sociedade em que o sucesso predomina sobre o trabalho, a riqueza sobre a honestidade, a estética sobre a ética.

Uma sociedade doente produz, inevitavelmente, seu clone no interior de cada família. Ali está ele, concentrando esforços para que se recupere, demandando sofrimentos, consumindo recursos. Querem curá-lo, como se o fruto não tivesse sua raiz na árvore. Quanto mais sadia uma sociedade, mais sadias as pessoas. Mas, para isso, são precisos valores e o fim da exclusão social.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Luís Fernando Veríssimo e outros, de “O Desafio Ético” (Garamond), entre outros.

 

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