Cidade educadora

J.E. ROMÃO

A cidade sempre exerceu uma espécie de fascinação sobre os seres humanos, ainda que a trajetória civilizacional tenha se iniciado no campo. De fato, as grandes transformações da vida coletiva somente foram possíveis quando homens e mulheres concentraram-se em espaços contíguos, trocando serviços e sentimentos.
Observe-se, a este respeito, o papel que teve a polis na Grécia e a urbs ou civitas em Roma. Mesmo quando já não se inscrevia nos limites exíguos da “Cidade-estado”, mesmo quando transbordava para as fronteiras de Estados massivos, como foi o caso da talassocracia de Péricles, dos impérios helenísticos e do Império Romano, a cidade continuava a aparecer como um ideal de realização humanística.
No sentido estrito da expressão, o ideal da cidade só foi superada, curiosamente, pelos que nela viviam, pelos que se instalavam nos “bourgs” e eram espoliados pelas elites rurais da nobres feudal: a burguesia. Em outras palavras, exatamente os que vivem nos aglomerados urbanos serão os que vão negar a primazia da urbs, em benefício de um Estado mais amplo. A Cidade-Estado dará lugar ao Estado Nacional, como realização da utopia burguesa.
Ora, como entender este processo? Como compreender que esta contradição não fosse percebida por seus membros-superadores? E mais: como entender que hoje, esta mesma burguesia detrate tanto o Estado Nacional, fragilizando-o diante das corporações transacionais?
Parece, portanto, que é necessário recuperar a visão crítica do processo para compreende-lo.
No período revolucionário, a burguesia tinha que defender a universalização dos direitos, porque precisa do apoio, da aliança dos demais segmentos sociais discriminados para lutar contra as classes dominantes. Contudo, esta defesa tinha seus limites conjunturais, já que os aliados de hoje poderiam voltar suas baterias contra ele, fazendo as mesmas exigências que ela, naquele contexto, fazia aos hegemônicos. Por outro lado, o coletivo de classe que nasceria da solidariedade no sofrimento dos trabalhadores precisava ser substituído por outro coletivo, artificialmente criado, para que se diluíssem as diferenças classistas historicamente constituídas. Inventou-se nacionalismo como substituto da consciência de classe historicamente determinada. E, por mais que se queira questioná-lo, algum serviço ele prestou, pelo menos no que diz respeito à configuração das identidades. De qualquer modo, ainda está para ser feito o balanço dos serviços que ele tem prestado à humanidade, já que sua exacerbação promoveu tanta violência e tantos genocídios.
Nos dias atuais, ele tem sido desgastado pelos seus próprios criadores, que tiram o tapete da governabilidade estatal nacional, especialmente nos países da periferia do Capitalismo. Como dizem os cientistas sociais da atualidade “desterritorializaram-se” as identidades específicas.
Curiosamente, a negação do Estado Nacional se dá por dois fenômenos: pelo da planetarização – que se difere, antagonicamente, da globalização – e pelo da descentralização, que retorna aos limites da cidade e ambos se complementam, dialeticamente, como espaços de construção das novas identidades.
Por isso, a cidade – com esta nova vocação de potencializadora de identidades – deve tornar-se, antes de tudo, uma Cidade Educadora, dado que é, pelo projeto pedagógico que as pessoas filiam-se, historicamente, a um projeto político e, portanto, a uma identidade. No nosso caso de homens e mulheres do século XXI, a identidade humana só pode ser construída pela afirmação de uma cultura específica, aberta à construção da cidadania planetária.

 

 

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